domingo, 20 de junho de 2010

Sobre a chuva e a morte

Nunca entendi muito bem qual a relação entre os dois, só posso dizer que é próxima e constantemente presente na minha vida. Talvez seja apenas coincidência, mas não acredito. Como que para lavar a alma, vem a chuva em um momento ruim: acho mais bonito pensar desse jeito.
E foi o que me ocorreu hoje, quando o céu resolveu chorar.
Pra constar, ontem o inigualável Saramago foi pra lá e se fizeram as nuvens. Não quero achar que é bobagem pensar dessa maneira (por mais que isso passe brevemente pela minha cabeça) mas a água vem por pessoas especiais. Pra mim, ele era especial por isso, por exemplo:

"86 anos
Dizem-me que as entrevistas valeram a pena. Eu, como de costume, duvido, talvez porque já esteja cansado de me ouvir. O que para outros ainda lhes poderá parecer novidade, tornou-se para mim, com o decorrer do tempo, em caldo requentado. Ou pior, amarga-me a boca a certeza de que umas quantas coisas sensatas que tenha dito durante a vida não terão, no fim de contas, nenhuma importância. E porque haveriam de tê-la? Que significado terá o zumbido das abelhas no interior da colmeia? Serve-lhes para se comunicarem umas com as outras? Ou é um simples efeito da natureza, a mera consequência de estar vivo, sem prévia consciência nem intenção, como uma macieira dá maçãs sem ter que preocupar-se se alguém virá ou não comê-las? E nós? Falamos pela mesma razão que transpiramos? Apenas porque sim? O suor evapora-se, lava-se, desaparece, mais tarde ou mais cedo chegará às nuvens. E as palavras? Aonde vão? Quantas permanecem? Por quanto tempo? E, finalmente, para quê? São perguntas ociosas, bem o sei, próprias de quem cumpre 86 anos. Ou talvez não tão ociosas assim se penso que meu avô Jerónimo, nas suas últimas horas, se foi despedir das árvores que havia plantado, abraçando-as e chorando porque sabia que não voltaria a vê-las. A lição é boa. Abraço-me pois às palavras que escrevi, desejo-lhes longa vida e recomeço a escrita no ponto em que tinha parado. Não há outra resposta."

(Do blog "O caderno de Saramago", em 16 de Novembro de 2008).

Ainda bem que as palavras são eternas, e o alívio da chuva também.

6 comentários:

  1. Bá Lu, muito bom.

    Tu escreve com tanta facilidade *-*

    Mas enfim, que descanse em paz o Saramago. O cara era bom. Me arrepiou com umas coisas que ele escreveu. E tu também me arrepiou com esse post ;x

    por dudu Florão

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  2. "Deus esta na chuva" V for Vendetta
    Que sejam as palavras escritas por ele(e tantos outros) a forma mais eficaz de adquirirmos conhecimento, como a água que traz a vida. Continue escrevendo assim e um dia banharas o mundo com suas palavras, luci, muito mais do que o oceano banha a Terra.
    Adorei, do seu amigo Pedro :D

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  3. "Muitas vezes Pedro você fala, sempre a se queixar da solidão."


    Raul Seixas

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  4. Linda homenagem Lú!

    e sabe mais o quê? valeu muito tudo o que ele disse: não foi em vão. a vida é feita mais por descaminhos do que por razões, mas quando se diz com o coração, se sente a estrada certa, por mais que ninguém ouça...

    e tu ouviu o que ele disse. e eu ouvi o que tu disse. e é isso: pessoas que dizem com o coração, ajudam outras pessoas a perceber o quanto humanas são... Obrigado Grande Mestre! Obrigado Lú!

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  5. Grande Luci! Do chá com seu zé para o mundo!

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  6. Otima seleção do trecho.

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oi, sinta-se em casa! (mesmo não estando)